quarta-feira, 18 de março de 2015

Raramente pensamos sobre onde estamos até ficarmos perdidos


Ann Cooper Albright, no seu divino artigo Caindo na memória, nos conta que:

Raramente pensamos sobre onde estamos até ficarmos perdidos. Para compreendermos o que nos orienta, nós precisamos experimentar a desorientação, aquela mudança de perspectiva espacial que pode nos ensinar o que nós damos por certo. (ALBRIGHT, 2013, p. 61) 


Instabilidade é um dos elemento mais importantes no desenvolvimento de aulas e experiências com o Método Flymoon®. Defendo a instabilidade como meio de aquisição de habilidades motoras e também como estratégia de criação artística. Transbordando 'funções' motoras ou artísticas, entendo a capacidade de experimentar instabilidade, de se deslocar da sua zona de conforto, como um procedimento de vida, uma atitude no mundo, como um jeito de olhar as coisas de azul (BARROS), capaz de ampliar as formas de apreensão do mundo e, consequentemente, capaz de produzir poesia.

terça-feira, 17 de março de 2015

Profissionais de Movimento - revolução pela intimidade


Venho ouvindo o termo Profissionais de Movimento há alguns anos, no ambiente do Pilates. Adotei rapidamente essa nomenclatura, pela possibilidade inclusiva que ela traz. Ao invés de diferenciar pela classificação específica de área - arte, educação, saúde -, esse termo aglutina, sem prejuízos, hierarquias ou menosprezos, áreas historicamente apartadas, que de fato se encontram através do corpo em movimento. Me interessa muito mais misturar do que classificar; unir do que separar; colaborar ao invés de competir. 

São Profissionais de Movimento aqueles que trabalham artística, pedagógica ou "curativamente" (profissionais da saúde) através do movimento, ou seja: dançarinos, professores de dança, educadores físicos, fisioterapeutas, instrutores de técnicas corporais ou somáticas, desenvolvedores de técnicas corporais, artistas da performance, atletas, professores de artes marciais, às vezes até estudantes - no caso da dança, ou mesmo das artes marciais, a profissionalização pode vir muito antes de um diploma, por outros meios de legitimação própria dessas áreas - e tantos outros.

Acredito que essas diferentes vertentes (arte, educação e saúde), unidas pelo movimento, formam uma potência politicamente transformadora. Pelo movimento, mobilizamos íntima e profundamente as pessoas. Essas mesmas pessoas irão em frente, reverberando nas suas decisões, na educação dos seus filhos e nos ambientes por onde vivem, as transformações pelas quais passaram. É um potencial revolucionário. É a revolução pela intimidade, como aprendi com Mia Couto.

https://flic.kr/p/dfZz3r

domingo, 15 de março de 2015

Trajetória da Poética de Instabilidade à Instabilidade Poética

Em 2012, entrei para a minha entrevista de seleção do mestrado no PPGAC-UFBA para defender meu ante-projeto, chamado: Pensando corpo e movimento a partir de uma Poética de Instabilidade. Durante a conversa eu falei o tempo todo sobre "uma tal" Instabilidade Poética. Jacyan Castilho, queridíssima artista e professora, então me perguntou:
- ... mas vc está falando sobre Poética de Instabilidade ou Instabilidade Poética? por que são diferentes.
Eu não sabia a resposta. Foi a primeira vez em que aquela questão era de fato revelada em voz alta. Até então eu queria tanto conectar todas as minhas experiências poéticas, pedagógicas e políticas, que me deixava apenas escorregar entre uma Poética de Instabilidade e uma Instabilidade Poética, sem me dar conta do que aqueles dois 'mundos' poderiam revelar.

A primeira parte dessa resposta veio em outubro de 2013, com a orientação da minha amiga e 'estrela-guia' durante o mestrado, Valéria Vicente, quando me disse (dentre tantas outras coisas maravilhosas e reveladoras):
- eu acho que está na hora de vc assumir que o seu objeto de pesquisa é isso que vc chama de Instabilidade Poética. Agarre seu objeto, aprofunde, arrisque e defenda ele.

A segunda parte dessa resposta veio no princípio de 2014, num momento crucial, em que fiz uma 'chamada de emergência' aos amigos queridos - orientadores, artistas e companheiros de vida - Nícia Riccio, Adolfo Duran, Vaninha Vieira, Neila Kadhí, Duda dos Anjos e Isbela Trigo e eles vieram me ajudar a montar o quebra-cabeças que estava me atormentando. Numa tarde de muita conversa, risada (e vinhos!), Nícia - sagaz -, depois de muito ouvir e olhar o meu sumário, me falou (mais ou menos assim):
- como é que vc pode falar de Instabilidade Poética tão cedo no sumário, sem isso nunca ter sido introduzido antes? cadê a linha de pensamento que constrói esse conceito? ele não pode simplesmente pipocar aqui do nada. Acho que tem algo que constrói essa Instabilidade Poética que precisa ser explicado antes. - E eu disse: - Sim! Eureca! Bingo! o que existe antes da Instabilidade Poética é a Poética de Instabilidade! - E Nícia disse: - Isso faz sentido. Assim como a inversão da meia-lua deu vida à Flymoon®, a Poética de Instabilidade fez nascer a Instabilidade Poética.

Essas inversões fazem parte da minha trajetória e é através delas que venho construindo meus conceitos.

Gritamos, sorrimos, pulamos de alegria e euforia com o glorioso insight que me ajudou a olhar com novos olhos para tudo o que já tinha escrito e entender finalmente onde se situam esses dois conceitos, frutos da minha trajetória artístico-político-pedagógica. Pude finalizar a dissertação alguns meses depois, com o acompanhamento e a costura de Betti Grebler, orientadora querida, com mais segurança e convicção e ainda aprofundando descobertas pela reflexão compartilhada.

P.S: Bela fez uns desenhos lindos desse momento, que vou ficar devendo. Assim que encontrar, posto aqui!

sábado, 14 de março de 2015

Um novo modo de estar presente no mundo


Expor-se a muitas situações diversas, não habituais e propiciadoras de instabilidade física e desafiadoras para a coordenação motora, [...] não resultam somente em uma reorganização dos músculos profundos e superficiais do corpo, mas num novo modo de estar presente no mundo e numa nova perspectiva acerca desse mundo. [...] (FORTIN, 2011).





sexta-feira, 13 de março de 2015

Os desafios motores propiciam processos de ampliação da inteligência


Quando desestabilizamos o corpo – com o desequilíbrio que nos coloca na iminência da queda; com desafios de coordenação motora; com estímulos não habituais aos sistemas de equilíbrio; com estímulos proprioceptivos não habituais – expomos o Sistema Nervoso Central (SNC) a situações não habituais, novos problemas, para os quais são necessárias reações não habituais.

Desafiando o SNC com novos problemas, são necessários novos caminhos neuronais para solucioná-los. É necessário [...] um processo de organização, que engloba o conjunto de funções cognitivas e que tende a uma forma de equilíbrio, que caminha em direção a certas formas de equilíbrio final [...] (PIAGET, 195148). Este processo é parte do que define a inteligência, segundo Piaget. Os desafios motores propiciam processos de ampliação da inteligência. 
Esse trio arrasa! Tati Chitão, Carla Pyrrho e Fernanda Lima.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Nossos corpos são inerentemente instáveis, por serem programados para a mobilidade


A instabilidade é também resultado de adaptações estratégicas para a sobrevivência. Como afirma Mary Bones:
[...] Nossos corpos são inerentemente instáveis, por serem programados para a mobilidade. [...] Os músculos e outros tecidos que mantém o esqueleto coeso, e os órgãos contidos neles, são quase 70 porcento água, tornando-os ainda mais móveis. A instabilidade do design fornece plasticidade corporal suficiente para adaptar flutuações internas da respiração, digestão e outros processos vitais, assim como a variedade de posições que assumimos ao nos movermos. [...] (BONES, 2007, p. 5). 

Ser instável é parte da natureza. Ser instável é parte da nossa adaptação ao mundo. Instabilidade é estratégia de sobrevivência. Por isso, precisamos brincar com ela na vida e na arte; na infância e na maturidade.


Foto: João Meireles

Foto: João Meireles


quarta-feira, 11 de março de 2015

Para cada pensamento apoiado por sentimento, há uma mudança muscular

Em 1937, Mabel Todd já afirmava que:
[...] Vivendo, o corpo inteiro carrega seu significado e conta sua própria história, levantando, sentando, andando, acordando ou dormindo. [...] Para cada pensamento apoiado por sentimento, há uma mudança muscular. [...]

A possibilidade de olhar diferente, a retirada do que é seguro, a desestabilização, em suma, a Instabilidade, favorece a capacidade de elaborar outros discursos e, portanto, constituir novas maneiras de relação. Segundo minha querida Andréa Bardawil (2011):
[...] a desestabilização nos provoca algo de bom: as novas estruturações de pensamento. Portanto, nossas práticas também não serão as mesmas. 
[...] Exercitar o deslocamento do olhar é admitir que se revirem em nós as categorias e dicotomias [...], que se embaralhem as definições e se desconfigurem os significados [...]

Vamos desestabilizar poeticamente!



terça-feira, 10 de março de 2015

Relações entre imaginário, campo simbólico e musculatura postural


Cláudia Damásioartista, professora e pesquisadora da dança nos diz que: 
[...] Os músculos profundos, chamados de posturais, tônicos, ou ainda gravitários, estão no cruzamento dessas várias instâncias do corpo de que já falamos: biomecânica, motora, perceptiva, afetiva, com sua variação tônica criando “estados de corpo” distintos [...].

A ligação entre a instância simbólica e a função dos músculos tônicos, como nos convida a pensar Cláudia Damásio, faz muito sentido com o pressuposto de Lyli Ehrenfried, desenvolvedora da Ginástica Holística, de que há “[...] um paralelismo rigoroso entre o seu físico e o seu psiquismo. [...]” (EHRENFRIED, 1990, p. 12).

Essas intuições, estudos e afirmações de quem vivenciou e estudou movimento, observando em si e em outros os efeitos provocados pelo mover ao longo da vida, convergem e validam a minha intuição sobre a instabilidade como poderosa ferramenta propiciadora de movimento e de reintegração entre imaginário e bem estar, porque a instabilidade é capaz de acionar a musculatura profunda, fora do controle voluntário, gerando respostas para além da racionalidade, que ensinam a nós mesmos; que tornam a experiência surpreendente para nós mesmos. 


Cena do espetáculo Ideias de Teto. Florianópolis, 2010. Foto: Adriana Cunha. 


quinta-feira, 5 de março de 2015

Desafios do educador através do movimento na atualidade


Parecem ser os Profissionais de Movimento, atravessados por tantas áreas de conhecimento, aqueles com ferramentas adequadas para desestabilizar estruturas sociais instaladas e provocar transformações políticas através da transformação do pensamento sobre corpo e movimento.
Desde práticas íntimas, que nos transformam a cada dia, passando pela resistência cultural necessária de continuar dançando, movendo, fomentando o campo, até a batalha política de ocupação, reconfiguração e convencimento de outras esferas sobre a importância vital desses saberes e fazeres.
Afinada com Sylvie Fortin, “(...) Sustento a ideia de que uma modificação nas fontes de saber empreende uma mudança nas relações de poder. (...)” (FORTIN, 2003, p. 163)
Nesta intenção, listo, aqui, alguns desses pressupostos com os quais me afino:
- não há outro lugar para a produção de conhecimento e a consciência que não seja a materialidade do corpo vivo;
- a base da construção da inteligência/pensamento/sentimento é a motricidade;
- corpo é ideologia;
- cada experiência/vivência se corporifica através de movimento corporal visível ou não aos olhos;
- corpo, movimento, imaginário e arte proporcionam complexidades favoráveis a caminhos evolutivos.





quarta-feira, 4 de março de 2015

Criando ambiente estranho através de bases instáveis

Brent Anderson - fisioterapeuta incrível, que reabilita pacientes prioritariamente através do movimento, tendo como principal ferramenta o método Pilates, multiplicador e referência no campo e um grande mestre com quem tive a honra de aprender - considera como ambiente estranho aquele que propicia diferença na posição do corpo em relação à gravidade, enquanto realiza uma tarefa funcional, desestabilizando as referências conhecidas, para acessar novas estratégias perceptivas que acionarão novos comandos motores. 


Não à toa, uma das primeiras estratégias para a reeducação de movimento é viabilizar a experiência de movimento em ambiente estranho, que seria, por exemplo, simular uma caminhada fora da posição vertical-bípede. Trata-se de mexer com as estruturas acostumadas, modificar padrões instalados, encontrar formas de desfazer os esquemas viciados. Colocar-se em ambiente estranho é uma oportunidade de recriar os pressupostos sobre a ação. 


Sherri Betz testando o protótipo. Brent Anderson acolchoando meia-lua para testar as possibilidades que começavam a ser compartilhadas a partir daquele ano.